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Opinião Quinta-feira, 18 de Outubro de 2018, 12:01 - A | A

18 de Outubro de 2018, 12h:01 - A | A

Opinião /

Administração pública do medo

Folha Max



O gestor público vem desistindo de decidir. Esta expressão, trazida por Fernando Vernalha, nunca foi tão atual. Há poucos dias, num Congresso de Direito Administrativo, debateu-se a administração pública do medo, com a crise de insegurança e ineficiência de um Estado cujos gestores, diariamente, estão com medo de tomar decisões. Os inúmeros escândalos de corrupção, em todas as esferas do Poder Público, reforçaram a importância de um sistema de controle, exercido por várias instituições, com o objetivo de impedir práticas fraudulentas. Todavia, é preciso que o culto ao controle não comprometa a real função do Estado, que é desenvolver políticas públicas para a melhoria de vida dos cidadãos. Seja enquanto advogado, seja enquanto procurador do Estado, seja mesmo enquanto cidadão, fica perceptível que, atualmente, é preferível ao administrador público trilhar as velhas formas, ainda que não produzam bons resultados, a promover práticas inovadoras, que, embora potencialmente mais efetivas, podem trazer risco e responsabilidade pessoal. Esse risco iminente de responsabilizações de toda ordem, na via de ações de reparação civil, ações criminais e ações de improbidade administrativa, tem provocado uma diuturna necessidade do administrador de se proteger, de tal modo a ocasionar três visíveis perdas administrativas: Ineficiência: a falta de inovação e dinamismo dá lugar às práticas ultrapassadas que, mesmo não sendo efetivas aos problemas atuais, passam ilesas pelos órgãos de controle – atualmente a maior preocupação do governante. Como diz Joel de Menezes Niebuhr, é melhor repetir o velho, mesmo que não funcione, mas que autopreserve o gestor, que pensar diferente e arriscar novos instrumentos. Em muitos casos, prefere-se a morosidade do processo judicial, cujo tempo nefasta as políticas públicas, que a celeridade e a resolutividade de uma solução administrativa consensual, simplesmente pelo risco da opção vir a ser questionada. Morosidade: o excesso de burocracia, sob o pretexto de controle, e a falta de vontade de decidir postergam ao máximo os procedimentos na administração pública, sempre no aguardo de que outrem decida ou mesmo não se decida. O diagnóstico de que “é mais fácil dizer não” gera não só a demora, mas também a inexistência de solução para os problemas públicos. Afastamento de bons profissionais: os graves e constantes riscos e responsabilidades a que se expõem os gestores públicos têm contribuído decisivamente para afastar profissionais probos e competentes do ambiente público de decisão, com receio ou medo de comprometimento da própria carreira, os relegando a ambientes “mais cômodos” e de baixa efetividade. Naturalmente não se está a criticar a ação dos órgãos de controle, de suma importância para a administração pública. Mas, como geralmente as soluções passam por movimentos pendulares, em que o excesso de um lado é substituído, em seguida, pelo excesso oposto, para depois se alcançar o equilíbrio – no caso, a falta de controle de outrora gerou o culto ao controle e medo ao administrador e se espera que resulte, após, na melhor solução – é preciso que se equilibrem as preocupações para a estruturação de um Estado mais eficiente e proveitoso em prol daquele que motivou sua criação: o próprio cidadão. Não apenas a corrupção ou práticas ilegais geram perdas ao Estado e sua população. Assim também ocorre com a síndrome de ineficiência que arruína o Estado e prejudica a implementação das políticas socioeconômicas. O papel da advocacia, pública e privada, releva ainda mais, no constante propósito de se reinventar e criar sempre mecanismos jurídicos legítimos para instrumentalizar políticas públicas e anseios dos clientes particulares, quando envolvidos outros entes públicos. Sem dúvida, conferir segurança às relações sociais, com a prevenção de responsabilidades num cenário em que tudo é passível de responsabilização e, ao mesmo tempo, superar a crise de falta de efetividade da administração pública, pautada pelo medo de decidir, constitui um dos maiores desafios da advocacia moderna. Carlos Perlin é advogado, sócio da Assis, Perlin & Florêncio Advocacia, procurador do Estado de Mato Grosso e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT


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